segunda-feira, 18 de março de 2024

De volta à Casa Grande de Romarigães

 Dos livros que li do Aquilino Ribeiro, este será o maior. É um romance que conta a história de várias gerações de uma família aristocrática do Minho, com os seus altos e baixos, e muitos pecados, relacionando-a, em vários momentos, com a História de Portugal no período entre os finais da Dinastia Filipina e a guerra civil que opôs D. Pedro a D. Miguel.

O excerto que deixo conta-nos o desespero de Luis de Azevedo, já a família ia na 6.ª geração, que, sem herdeiros legítimos vivos, se encontra na iminência de o morgadio cair nas mãos de um sobrinho por quem não morria de amores. Tenta, por isso, recuperar um dos filhos que tivera com a governanta e enjeitara na roda.

Depois de descobrir quem o tinha recolhido (um cirieiro de Braga), começa a rondar-lhe a porta. Não foi fácil ganhar confiança, principalmente a do menino, quatro anos ariscos, pouco dado a mimos de estranhos.  

Um dia apresentou-se na loja do cirieiro com um embrulho onde levava um carapucinho de lã de camelo, uma corneta de barro de Barcelos e dois burrinhos também de loiça para lhe oferecer. Assim que vê, vindo do interior da casa, agarra-o pelo bibe, mas a criança tenta fugir-lhe e dá um trambolhão:

 

«- Deixe o menino, olhe que lhe pode arrancar o bracinho… - murmurou o cirieiro para Luís de Azevedo que lhe metia os bonitos à cara com a mão livre.

O menino, ou porque a mão de Luís de Azevedo lhe pesasse, ou porque não lhe fosse simpática aquela preensão, desdenhando da oferta, rompeu a fazer beicinho. Dali a pouco estava num berreiro pegado que, sacudindo a senhora Felismina da oficina, a projectou ali em pé-de-vento (….).

- Então, meu filho, então, ninguém te faz mal! – exclamou ela estendendo-lhe os braços. – Este senhor não é a côca. Olha, olha, este senhor traz-te aqui uns burrinhos…

O pequeno continuava a berrar desalmadamente e o cirieiro disse para a mulher:

- Tira-o lá para dentro.

- Não. Não tire o menino lá para dentro. Deixe-o aqui…

Pronunciou estas palavras com voz a tal ponto alterada que o cirieiro retorquiu:

- Deixe-o aqui…Para quê, se não queda mal o perguntar!?

- O menino é meu. É meu e quero levá-lo comigo.

(……)

- O menino é seu?! Ah! ah!, deixa-me rir. O menino é nosso, meu e da minha mulher. Trinta vezes nosso. Quem o salvou de morrer naquela manhã de geada, porque afinal na roda poucos são os que escapam?! Quem Foi?! Quem o acalentou?! Quem o vestiu?! Quem o traz medrado e limpo?! Olhe que até uma cabra comprámos para lhe dar leite. Queria então tirar-nos o menino, hem? Não queria mais nada?! Com que direito, seu homem?!

- O menino é meu e vou-lhe dar os sinais com que foi depositado na roda. Trazia ao pescoço uma bolsinha de seda azul com o nome: Telmo, escrito num pedaço de pergaminho. Diga lá: não é assim que se chama?

- Chama-se Telmo, chama, e que prova lá isso? Vossa Mercê está farto de mo ouvir nomear…

- Na mesma bolsinha trazia também um dobrão de oiro embrulhado num papel. O papel dizia. Para as primeiras despesas. O mais virá depois. É assim ou não é assim?

- Não encontrámos lá nada. Assim Deus nos salve. O que lá trazia era um dente de alho e cinco pedras de sal. Sim senhor, trazem-no todos os enjeitadinhos – exclamou de lá a mulher, em voz traindo reticente surpresa, entremeada de notas altas de indignação…

- Os cueirinhos eram de cambraia com debrum azul…

- Qual cambraia nem meio cambraia! Vinha embrulhado em estopa, uma toalha grossa de estopa, que ainda para aí anda.

- Então é porque na roda roubaram o exposto.

- Roubaram quê, não roubaram nada! As freirinhas eram incapazes dessa má acção. Ainda mais com aquela que era então a madre-rodeira, e ainda é, no Convento de N.ª S.ª da Conceição! Toda a gente diz que em Braga não há mais santa

- E quem me garante que a madre-rodeira estava no acto? Pode ser que fossem as criadas que roubassem o exposto.

- Roubar-nos queria agora o senhor, mas engana-se. Nem que viesse o alcaide-mor com os quadrilheiros todos que há em Braga. Então não queria lá ver, uma pessoa toma-se de amizade por uma criaturinha destas, apaparica-a, tudo é meu santo-antoninho onde te porei, e às duas por três rompe um figurão e diz: Dê-me o menino que é meu! Dou-lhe mas é uma grande cachaporra! Com que direito? Diga lá?!

- Senhor Aniceto do Bento Lado e mais senhora, estou disposto a pagar-lhes, sem regatear as despesas que fizeram com o menino e a recompensá-los ainda, com a maior largueza, pela ternura e amor que lhes mereceu. Mas tenho de o levar, custe o que custar. O processo está em andamento no Juiz dos Órfãos. Vale mais darem-mo a bem…».

Este relato diz-nos bem como Aquilino Ribeiro conhecia o processo e todas as vicissitudes que envolviam a exposição de crianças naqueles tempos. A forma simples, por vezes subtil e com muito humor, como é hábito nele, engrandece e torna ainda mais verosímil a história.

M.L. Ferreira

sexta-feira, 15 de março de 2024

Andam corças...


Na passada segunda-feira, cerca das 8:30h, uma corça atravessou a estrada, um pouco antes de se chegar ao cruzamento para a barragem do Pisco, vindo de C. Branco.

Eu vinha de carro a sair da lomba e ela teve de apressar a corrida, mas veio logo outro veículo em sentido contrário e a corça teve de se esticar toda para conseguir escapar. Seguiu depois pelo caminho que dá entrada no pinhal do sr. Francisco Ventura.

As corças devem ter aí um corredor de passagem, pois há uns tempos uma corça chocou com um carro que ia a passar, sensivelmente naquele local.

Andam corças pelos bosques e pelas estradas!

José Teodoro Prata

quarta-feira, 13 de março de 2024

segunda-feira, 11 de março de 2024

Legislativas 2024

Consultar os resultados da nossa freguesia, aqui:

https://www.legislativas2024.mai.gov.pt/resultados/territorio-nacional?local=LOCAL-050222

Quanto aos resultados dos dois primeiros partidos, como de costume, na nossa freguesia ganhou quem venceu a nível nacional.

O resultado do Chega foi aqui também muito semelhante ao nacional. Considerando as opiniões manifestadas por este partido sobre as mulheres, as minorias e os adversários, este resultado é quase um recuo civilizacional, embora, como li hoje, este partido subiu tão depressa,  porque as ideias que veicula sempre cá estiveram, só que não tinham um partido que as assumisse como suas.

A crónica de Miguel Esteves Cardoso, no Público de ontem, intitulada O discurso do ódio, começava assim:

Diz-se que "já não há fascismo nem nazismo". Pois não. Mas a natureza humana não mudou, e os instintos humanos que levaram ao fascismo e ao nazismo continuam a ser os mesmos de sempre.

José Teodoro Prata

sexta-feira, 8 de março de 2024

Mulheres e Revolução

Elas fizeram greves de braços caídos.

Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta.

Elas gritaram à vizinha que era fascista.

Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas.

Elas vieram para a rua de encarnado.

Elas foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água.

Elas gritaram muito.

Elas encheram as ruas de cravos.

Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes.

Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua.

Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo.

Elas ouviram falar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas.

Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra.

Elas choraram de ver o pai a guerrear com o filho.

Elas tiveram medo e foram e não foram.

Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas.

Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro urna cruzinha laboriosa.

Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões.

Elas levantaram o braço nas grandes assembleias.

Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos.

Elas disseram à mãe, segure-me aqui os cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é.

Elas vieram dos arrabaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada.

Elas estenderam roupa a cantar, com as armas que temos na mão.

Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens.

Elas iam e não sabiam para aonde, mas que iam.

Elas acendem o lume.

Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado.

São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas

Maria Velho da Costa

Nota: Mulheres e Revolução é o título de um conjunto de vários textos de Maria Velho da Costa, uma das muitas mulheres que lutaram para que hoje pudéssemos festejar este dia 8 de Março em Liberdade e maior igualdade social, incluindo o direito ao voto: «Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro uma cruzinha laboriosa.» Cinquenta anos depois do 25 de Abril, é importante lembrar.

M.L. Ferreira


Ouvir aqui o texto completo de Maria Velho da Costa, 1976: 

https://youtu.be/zwfgZImfSU4?si=PAeoWCljJIUnnZSV

José Teodoro Prata

quarta-feira, 6 de março de 2024

Cultivos de outono

 

Este alho porro ficou enorme e igual a  ele tenho lá muitos (no fundo do balde estão coentros). Cada vez acho mais importantes as culturas de outono. Não me refiro às couves, pois essas são de verão, plantadas no outono já não se desenvolvem bem. Qualquer dia trago-vos cebolas novas!

José Teodoro Prata

segunda-feira, 4 de março de 2024

Conta-me histórias: a estreia

O salão da Casa do Povo encheu-se para o almoço da Comissão das Festas de Verão (cerca de 160 pessoas). A feijoada estava boa!

Após o café, cerca de metade das pessoas foram à sua vida, pois não tinham vindo a mais do que partilhar o momento do almoço e apoiar a organização. Por outro lado, o ruído era impróprio para o resto do programa. 

Mas houve boa vontade de todos e soubemos adaptar-nos às circunstâncias. O ruído foi diminuindo até desaparecer e...

...apresentámos o projeto Conta-me histórias: o Pedro Inácio Gama falou-nos sobre a vida do seu pai resineiro e o José Miguel Leitão partilhou a sua experiência na resina (no fim de três dias disse ao pai que preferia que o matasse a voltar lá); O João Prata Candeias falou dos Candeias e daquela que lhes deu o apelido, a candeia de azeite; o Francisco Alves Barroso contou a história da rapadoura e da sua importância no fabrico do pão; já não houve tempo para a Maria de Fátima Jerónimo, nem para mim, mas há mais marés que marinheiros. 

...o Fernando Pereira cantou as suas canções, as de sua autoria, as do cancioneiro reginal e as dos amigos que se foram cruzando com ele ao longo de uma vida de paixão pela música.

Foi bonita a festa, pá!




José Teodoro Prata

Fotografias de Rita Amaro