sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Saudade

Dois poemas da escritora Maria de Lurdes Hortas, nascida em São Vicente da Beira, mas radicada no Brasil desde menina.
Lembrança dos que estão longe, divididos entre dois mundos, aquele em que vivem e o que tiveram de deixaram.


DUPLA

Presente aqui.
Ausente além.
E vice-versa, sempre.
Assim, tão dupla
é que sou inteira.


ECO DE GONÇALVES DIAS

Minha terra tem coqueiros
onde pousam rouxinóis.
Minha terra tem pinheiros
onde canta o sabiá.
As aves da minhas terras
cantam cá e cantam lá
sempre ao inverso de onde
as deveria escutar.

Poemas publicados no suplemento IDEIAS, n.º 3, do Jornal do Fundão (04-05-1990)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Mãos mágicas

Eu era já grande e por isso recusei-me dar a faca à minha irmã mais velha, quando ela a veio buscar para ir fazer a ceia. Mas como era ainda demasiado pequeno para a vencer, fugi para a minha mãe, porque ela me agarrou a tentar tirar a faca.
Corri da quelha para casa, a chamar “Ó mãe, a Fátima quer bater-me!”, mas tropecei logo no primeiro degrau do balcão. Bati com o queixo no granito e fiquei com um corte a toda a largura. A minha mãe acudiu e atou-me um lenço do queixo ao alto da cabeça, para estancar o sangue.
Depois levou-me ao hospital. Descemos pela tapada dos Candeias, direitos ao Chão dos Negrinhos, e seguimos pelo caminho ao longo do muro da Casa Cunha, até ao Marzelo e daí para São Sebastião.
Era quase sol-posto, mas a enfermeira ainda estava no hospital, parecia que à minha espera. Desinfetou a ferida, fechou a carne cortada com umas latinhas e tapou-a. Sarou sem mais novidades.
Alguns anos depois, um dia à noite, fui com a minha mãe e as minhas irmãs ver o presépio da Menina Isaura, na escola velha, mesmo ao lado do hospital. E um mundo maravilhoso se revelou aos meus olhos: o presépio numa gruta e em volta tudo o que eu conhecia, mas muito pequenino. Além das pessoas a trabalharem e das casas, havia pedras, musgo, erva e até oliveiras com azeitona. Os lavradores lavravam a terra, os pastores guardavam o gado e as mulheres lavavam a roupa no ribeiro, onde corria água de verdade.
Tudo feito pela enfermeira que anos antes me tratara a ferida no queixo. A confirmar a magia das suas mãos.

Nota: Tenho a ideia de luz de lâmpadas penduradas nuns fios a iluminar o presépio. Ora a eletricidade foi inaugurada em Abril de 1969. Deve ter sido nesse Natal que a Menina Isaura repôs o seu presépio, já apresentado em 1959 e neste Natal exposto pelo GEGA, na Igreja da Misericórdia.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Oração

Lá vai lua alta
Mais alta vai a Senhora
Que para o céu subia
Madalena vai detrás
Alcançá-la não podia
Alcançou-a em Belém
Onde Jesus Cristo lhe assistia
Nossa Senhora era tão pobre
Que nem um paninho lá trazia
Lançou as mãos à cabeça
Era um véu que trazia
Partiu em quatro quartos
Jesus Cristo embrulharia
Desceu um anjo do céu à terra
Paninho de ouro lá trazia
São José lhe perguntou
Como ficou lá Maria
Maria ficou bem
Na sua salinha metida
Cantando Avé Maria
As paredes são de ouro
Lavradas de prata fina
Quem também as lavraria
Foi o filho da Virgem Maria

Nota: Oração recolhida e publicada em trabalho escolar, por Maria Isabel dos Santos Teodoro, na década de 1980.

sábado, 24 de dezembro de 2011

O Menino Jesus



FELIZ NATAL PARA TODOS

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O nosso falar: chalincar

Lembram-se do Chalim? Teria uma doença neurológica e por isso abanava muito os braços e as mãos, isto é, chalincava. Por isso ganhou a alcunha de Chalim.
A palavra mais próxima que encontrei nos dicionários, pela grafia e pelo sentido, foi chinelar: fazer o ruído de quem anda de chinelas. É o mesmo que chilindrar e chelindrar, esta da zona da Covilhã. Abanar e por isso fazer barulho é o nosso chalincar.
Há dias, levei os Enxidros a uma tertúlia literária da minha escola e li a crónica “Chalim”, publicada a 5 de fevereiro de 2010. Foi um sucesso.
Aqui vo-la deixo, porque muitos dos atuais leitores do blogue ainda não a conhecem e porque é Natal, o tempo de ser bom.

Chalim
Nunca soube o nome dele, mas chamavam-lhe Chalim. Às vezes avistava-o na Praça, sempre a babar-se e a dar com os braços e a cabeça.
Depois, na Tapada, quando eu, as minhas irmãs e os meus primos ficávamos sozinhos, se as nossas mães iam às compras ou à missa, imaginávamos o Chalim a dobrar a curva da quelha, a abanar-se todo.
Fugíamos para casa e fechávamos a porta por dentro. Sabe-se lá o mal que um homem assim nos podia fazer.
Um dia, ia com o meu pai para casa do meu avô Prata, na Oriana. Ao chegar à Dona Zara, na Rua de São Sebastião, vi um homem que vinha em direcção a nós. Era ele.
Cheguei-me mais ao meu pai, peguei na mão dele e apertei-lha com força. Cruzámo-nos e o meu pai cumprimentou-o. Ficaram a conversar e eu, espantado, porque o Chalim falava como os outros homens e era amigo do meu pai.
A certa altura, desceu a mão direita, lentamente, a abanar muito. E eu, outra vez receoso, a segui-la com os olhos. Tentou metê-la no bolso exterior do casaco, mas custava a acertar com o buraco, de tanta tremideira. Finalmente conseguiu e o gesto revolto, fechado no bolso, fazia abanar toda a aba do casaco.
A pouco e pouco, a mão começou a sair do bolso e a subir. Trazia uma bola cor de laranja, uma tânjara. Aproximou as duas mãos e mudou-a de mão. Depois voltou a descer, o mesmo calvário e mais uma tânjara.
A da mão esquerda voltou à direita e, a custo, estendeu a mão trémula e cheia na minha direcção.
“Toma menino.” - ofereceu-me, já com a baba a aparecer nos cantos da boca.
Eu fiquei parado, sem tempo para perceber tanta coisa.
“Aceita.” - disse o meu pai.
Peguei nelas, sem mais reacção.
“O que se diz?” – insistiu comigo o meu pai.
“Bem haja!”
Eles continuaram a conversa e eu descasquei uma das tânjaras e comia-a, sôfrego, dois e três gomos de cada vez. Era só mel. Depois a outra, doce como o açúcar!
Eu era ainda muito pequeno e não tenho mais lembranças do Chalim. Mas, muitas vezes, ao longo da minha vida, me interroguei se tenho sido merecedor de toda a doçura daquele gesto.

sábado, 17 de dezembro de 2011

GEGA apresenta presépio de encantar



Este é o presépio do Menino Jesus, idealizado e apresentado à moda antiga. As figuras foram todas realizadas manualmente e são da autoria de Isaura Maria, feitas de pano com todos os pormenores bordados à mão. O cenário é de musgo autêntico, com caminhos de pedra e areia. As árvores são mesmo pequenas árvores, as casas foram feitas à medida com pedra e telhas.
Foi em 1959 que, pela primeira vez, o presépio foi apresentado pela sua autora, enfermeira de profissão e artesã nos tempos livres.
Além da Sagrada Família e dos Reis Magos, o presépio retrata a vida rural, numa pequena aldeia e no trabalho do campo. Alfaias agrícolas, personagens que desempenham diferentes tarefas e profissões todos foram criados pelas mãos hábeis de Isaura Maria. No total, são cerca de seis dezenas de figuras feitas manualmente. Não falta o madeiro de natal junto da capela, o fontanário, os pastores e as ovelhitas, a cozinha onde se preparam as filhós, o sapateiro, a queijaria, a horta com o seu poço, o rio onde se lava a roupa, a apanha da azeitona, o moleiro e os moinhos, um castelo, uma ponte e a serra verdinha com pinheiros que acalenta o local onde o Menino Jesus nasceu.
Tanto as figuras, como as casas e a maior parte das peças necessitavam de algumas remodelações. Os responsáveis do Grupo de Estudos e Defesa do Património Cultural e Natural da Gardunha meteram mãos à obra e o presépio vai estar novamente exposto, na Igreja da Misericórdia, junto à Praça medieval, durante a época natalícia. A abertura será no próximo domingo, dia 18, pelas 15.00 horas, e ficará exposto até 8 de Janeiro de 2012, com abertura aos sábados e domingos, das 15.00 às 17,00 horas. Para visitas fora deste horário, agradecemos que nos contactem para 968053052 ou 272487035 (Inácia Brito) e fazer a respetiva marcação. A entrada é livre.

Nota: O material que serve de base a esta notícia foi-me enviado pela Direção do GEGA.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Sementeira de pinheiros


Conheço documentação que refere a compra de sementes de pinheiro, na Suécia, para florestar as serras de Oleiros, em meados do século XIX. Uns anos antes, em 1826, o contrato de emprazamento, por três vidas, do casal da Senhora da Orada, administrado pela Câmara Municipal, estipulava como obrigação dos rendeiros Ricardo Joze de Oliveira e Gestrudes Maria «...a sementeira dos pinheiros...». Nos inícios do século XX, alguém de C. Branco fotografou os montes da charneca a partir do Museu Tavares Proença Júnior, na entrada norte da cidade, e só se veem matagais, sem qualquer árvore a sobressair (muitos pinheiros já lá estariam, mas ainda pequenos).
O documento que agora apresento vem confirmar o início da florestação das terras incultas do interior, por pinheiros bravos, no século XIX. Apenas o início, pois parte dos atuais pinhais só se afirmaram na primeira metade do século XX e até um pouco mais tarde: muitos da minha geração e sobretudo mais velhos lembram-se de se fazerem alqueives de centeio em locais onde atualmente há bom pinhal. E no monte de Santiago, na Partida, ainda sobrevive o antigo olival, já sufocado pelos pinheiros.

Na sessão de 23 de Agosto de 1840, a Junta da Paróquia analisou um ofício da Câmara Municial (ambas de S. Vicente da Beira), no qual se incumbia «… a esta Junta a Sementeira de Pinheiros e plantação de Arvores nas terras pertencentes a esta Junta.» Também se mandava comunicar aos proprietários «… que a Junta Geral do Destrito se offerecia a mandar vir a Semente de Pinhos que fosse neceçaria tanto para a Junta como para os Proprietários.»
A Junta decidiu que, embora tivesse uma terra apta para a sementeira de pinheiros (a Devesa?), não tinha meios para fazer essa sementeira, pois os que tinha escasseavam para as despesas ordinárias. Quanto aos proprietários particulares, embora avisados por edital público, «…não compareçeo alguém que requereçe porção alguma de semente de Pinhos.»


Notas:
1. Esta ata foi escrita por Bernardino Ribeiro Robles, secretário da Junta. O presidente era Antonio Rodrigues Castanheira.
Na sessão seguinte, de 21 de Março de 1841, tomaram posse os membros efetivos da nova Junta. O presidente ficou então o Reverendo Vigário Manuel Marques Leite, ajudado por Francisco Lobo e Francisco Cardoso Sénior que transitavam da Junta anterior.
2. Ao lermos esta publicação, temos na cabeça três grafias: a nova que estamos a implementar (acta/ata, vêem/veem...), a que usámos até agora (e melhor sabemos) e a do século XIX (neceçaria/necessária, compareçeo/compareceu, offerecia/oferecia, Destrito/Distrito...).
Por mim, não vale a pena dramatizar o novo acordo ortográfico, como muitos o fazem. A nossa língua tem estado em constante evolução, desde o latim dos romanos até à atual grafia!

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Publicidade

Em 2009, tive publicidade no blogue, mas não achei piada e mandei tirar.
Agora considerei que valia a pena aproveitar os (magros) ganhos e por isso ela retornou.
Há rendimento sempre que se visita o blogue e sobretudo sempre que se clica na publicidade.
O dinheiro, muito ou pouco, será entregue ao ermitão da Orada, o Zé Duarte. Fica o compromisso.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Para o sol não o queimar

Voltemos a estas duas quadras da apanha da azeitona:

S´o meu amor fosse António
Ai solidão, solidão
Mandavó ingarrafar
Ai, ai, ai, ai, ai
Em garrafinhas de vidro
Ai solidão, solidão
Para o sol não o queimar
Ai, ai, ai, ai, ai

Não me namora teu ouro
Ai solidão, solidão
Nem a tua branquidão
Ai, ai, ai, ai, ai
Só me namora teus olhos
Ai solidão, solidão
Que tão fagueirinhos são
Ai, ai, ai, ai, ai

São bem antigas!
O ideal de beleza era a pele branca, o mais possível. As senhoras até usavam sombrinhas para não se bronzearem. Depois, cerca de 1930, a Coco Chanel, que então começava a ditar a moda, deixou-se dormir estendiada ao sol, numa praia (uma hábito novo, nesse tempo) e acordou bronzeada. E todos correram para as praias, para ficarem como ela. Até hoje.
Mas voltemos ao antes. Para as gentes do campo (mais de 90% da população das nossas aldeias) ter a pele branquinha era uma impossiblidade, privilégio das famílias dos grandes lavradores que não faziam trabalho ao sol. Por ser rara, diferente, era sinónimo de beleza e por isso desejada.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Os amores da azeitona...

Eram sobretudo canções de amor, estas da campanha da azeitona:

(Uma voz) Os amores da azeitona
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) São como os da cotovia
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai
(Uma voz) Acabada a azeitona
(Coro) Ai solidão, solidão
(Uma voz) Vai-te com Deus ó Maria
(Coro) Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão - Coro)
Vai de lá ó Maria
Tudo é um bem querer
Está um ar amoroso
Não te posso ir a ver


S´o meu amor fosse António
Ai solidão, solidão
Mandavó ingarrafar
Ai, ai, ai, ai, ai
Em garrafinhas de vidro
Ai solidão, solidão
Para o sol não o queimar
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

O meu amor não me fala
Ai solidão, solidão
Tudo é que lhe fale eu
Ai, ai, ai, ai, ai
S´ele se leva no seu brio
Ai solidão, solidão
Também eu me levo no meu
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Meu amor se fores à missa
Ai solidão, solidão
Fica em sítio que te veja
Ai, ai, ai, ai, ai
Não faças andar meus olhos
Ai solidão, solidão
Em leilão pela Igreja
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Cantigas ao desafio
Ai solidão, solidão
Comigo ninguém mas cante
Ai, ai, ai, ai, ai
Eu tenho quem mas ensine
Ai solidão, solidão
Meu amor é estudante
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Sei um saco de cantigas
Ai solidão, solidão
Ainda mais um guardanapo
Ai, ai, ai, ai, ai
Se me fazes atentar
Ai solidão, solidão
Eu vou desatar o saco
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Não me namora teu ouro
Ai solidão, solidão
Nem a tua branquidão
Ai, ai, ai, ai, ai
Só me namora teus olhos
Ai solidão, solidão
Que tão fagueirinhos são
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Os olhos do meu amor
Ai solidão, solidão
São duas azeitoninhas pretas
Ai, ai, ai, ai, ai
Eles foram escolhidos
Ai solidão, solidão
No jardim das violetas
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Da janela do meu quarto
Ai solidão, solidão
Vejo a cama do meu sogro
Ai, ai, ai, ai, ai
Vejo o sogro, lembra-me o filho
Ai solidão, solidão
Pelo filho é qu´eu morro
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Da minha janela à tua
Ai solidão, solidão
É um salto duma cobra
Ai, ai, ai, ai, ai
Quem me dera já chamar
Ai solidão, solidão
À tua mãe minha sogra
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

A oliveira da serra
Ai solidão, solidão
Que azeitona pode dar
Ai, ai, ai, ai, ai
Dará uma, dará duas
Ai solidão, solidão
Dará três se carregar
Ai, ai, ai, ai, ai

(Refrão)

Se a oliveira a falasse
Ai solidão, solidão
Ela diria o que viu
Ai, ai, ai, ai, ai
Debaixo da sua rama
Ai solidão, solidão
Dois amantes encobriu
Ai, ai, ai, ai, ai

(…)

Além das lembradas pelos meus pais (António Teodoro e Maria da Luz), registadas pela minha irmã Isabel dos Santos Teodoro, incluí ainda as que o Ernesto Hipólito enviou para a publicação anterior.