domingo, 31 de março de 2013

Entre iguais

E passou mais uma Páscoa! Este ano com alguma desilusão, pois a chuva não permitiu que as cerimónias tivessem o brilho de outros anos. Parabéns a todos os que trabalharam para isso. Mas o essencial não faltou: a espiritualidade religiosa e familiar. O resto é mesmo acessório, embora às vezes pareça o mais importante. E, nestes tempos em que sofremos devido à ganância e à incompetência de tantos, é bom saber que nem tudo está nas mãos dos poderosos. Páscoas chuvosas já tivemos tantas!
No início destas festividades, organizámos uma tertúlia na "Taberna do Raposo" e alguém  comentou a minha história da sementeira das batatas na Quinta-Feira Santa com uma provocação:  falta de jeito. Como terá sido a segunda pessoa a duvidar das minhas capacidades para os trabalhos agrícolas, deu-me o mote para escrever esta história em que, pela primeira vez, aos 22 anos, isso me aconteceu.

        O meu primeiro ano de trabalho, como professor, foi no Lombo do Moleiro, freguesia da Serra d´Água, ilha da Madeira. Trabalhei muito e gozei pouco, quase sem sair do meu vale encantado. Às vezes o Daniel vinha ter comigo, a falar das coisas da vida. Eu era querido daquelas gentes, quase parecia um deles, e ofereciam-me copos, pêros e espigas de milho.
Na primavera foram ao Pico Ruivo e levaram-me com eles, da Cumeada ao Pico, sempre pelos picos das montanhas, a encher os olhos de paisagens deslumbrantes. A ida e o regresso demorou o dia inteiro. Cheguei cansado e adormeci como uma pedra. No dia seguinte, só acordei com o barulho de pancadas por baixo do sobrado da minha casa. Era o Daniel, com medo que me tivesse acontecido alguma coisa, pois já era meio dia e eu não dava sinais de mim.
Foi ele que semanas depois me lançou novo desafio: ir com a família dele a arrancar semilhas, mas num sítio muito difícil de lá chegar, caminho mau, quase ao pé do penhasco de onde saía nevoeiro. Partimos de manhã cedo, ele, a mãe, os irmãos mais novos e tias e primas. Os homens estavam na Venezuela e o pai do Daniel morrera em França pouco antes da minha chegada.
Seguimos por veredas sempre a subir, às vezes era preciso agarrarmo-nos aos ramos das árvores, para impulsionar o corpo para a frente. As semilhas estavam semeadas em dois leirõezinhos, como degraus, escavados no meio da floresta verde. As mulheres atacaram com as enxadas e eu a olhar. Ofereci-me para ajudar, mas olharam-me surpreendidos, por entre risos, ninguém acreditava que um senhor professor soubesse cavar.
Emprestaram-me uma enxada, mas era em forma de cunha muito comprida e eu não conseguia que ela me obedecesse, a fugir para um lado ou para o outro. Mas depressa lhe apanhei o jeito e calei os risos,  já impressionados com a perícia na arte da enxada do senhor professor de Lisboa (para eles, Lisboa era  Portugal continental inteiro).
Ao meio dia, parámos para almoçar. Estenderam uma toalha por cima da terra cavada e deborcaram-lhe em cima uma panela de batatas (semilhas) com bacalhau e rama de alho. Sentaram-se ou ajoelharam-se todos em redor e eu também me ajeitei. Que não, o senhor professor não ia comer assim como eles! Deram-me um prato de cobulo de batatas com bacalhau, bem regado de azeite, mais um tanoco de pão e um garfo (azeite, prato e garfo eram luxos que tinham levado só para mim). Limpei tudo: quem não é para comer, não é para trabalhar. Desconheço se eles sabiam este provérbio, mas ainda me esperava uma tarde de trabalho.
Ao largar, havia sacas cheias de semilhas para todos os que já tinham corpo para carregar com elas. Eu, desabituado daqueles caminhos tão difíceis, não tencionava levar nada, nem eles contavam com isso. Mas a última saca sobrava para uma miúda de tenra idade e eu tive de fazer o que tinha de ser feito.
Foi uma descida muito dura e nunca pensei que uma saca de batatas acabasse por pesar tanto. Em alguns locais, descíamos agachados, seguros nos ramos, quase a arrastar com o rabo no chão do carreiro. Cheguei com as pernas trémulas e zonzo de tanto esforço, já no escuro do anoitecer. Vida dura a daqueles camponeses.

José Teodoro Prata

quinta-feira, 28 de março de 2013

O nosso falar: pão seco

Pão seco é o antónimo de pão com conduto, mais duas expressões dos tempos da fome, que foram todos menos os últimos 30/40 anos.
O conduto era o que acompanhava o pão, sobretudo carne de porco, mas também azeitonas, queijo fresco para alguns, uma sardinha frita ocasionalmente e pouco mais, pois quase nada mais havia para comer.
Muitas vezes comia-se o pão sem nada, o pão seco. Uma cebola crua era um bom acompanhamento, mas nem estatuto de conduto alcançava!
Felizmente, a Páscoa está próxima: tempo de comemorar com manjares deliciosos a ressurreição de Cristo.

José Teodoro Prata

segunda-feira, 25 de março de 2013

Bolos da Páscoa

Ingredientes: farinha, 12 ovos, meio quartilho de azeite, canela em pó, 1 copo pequeno de aguardente, 1 litro de soro de leite (pode ser substituído por água ou leite magro) e fermento do padeiro.

Preparação: Batem-se os ovos e junta-se o azeite, o soro, a aguardente e a canela. Vai-se acrescentando a farinha com o fermento, amassando sempre, até a massa ficar boa para fintar. Depois de finta, tendem-se os bolos e cozem-se no forno de lenha.

Consumo: Come-se com queijo fresco de cabra (de ovelha também serve), mas até sem conduto é bom!


José Teodoro Prata

sexta-feira, 22 de março de 2013

Ainda as Festas de Verão…

A propósito das Festas de Verão já se falou das missas intermináveis, dos sermões e das procissões; das alvoradas, do fogo preso e das latadas; da comida que podia ser escassa durante o resto do ano, mas por esses dias abundava em todas as mesas; das fatiotas novas, feitas por medida e a pensar no Inverno que aí vinha, mas que teimávamos em estrear, mesmo que o calor ainda apertasse; dos muitos conterrâneos que viviam longe, mas que nesses dias faziam questão de voltar.  
Eram dias que traziam uma vida nova às nossas vidas e à nossa terra. Quando, na quarta-feira, assistíamos ao desmontar da festa e os amigos começavam a partir, nos nossos corações ficava uma enorme tristeza e saudade. Ainda por cima, quando se é criança, um ano é muito tempo e as próximas Festas ainda vinham tão longe!
Para aqueles que, como eu, éramos criança na altura, uma das coisas que mais nos fascinava nas Festas era a feira. A praça e as ruas à volta enchiam-se de tendas que vendiam de tudo, mas do que mais gostávamos era dos brinquedos. Rivalizavam com os que nós próprios fazíamos a partir de tudo o que tínhamos à mão ou com os pratinhos e tachinhos de lata que o Ti Fernando Latoeiro nos fazia (a paciência daquele homem para nos aturar, sempre que lhe invadíamos a oficina durante o recreio da escola!).
Não me lembro de alguma vez ter podido fazer grandes compras nessas tendas. O dinheiro que me davam para gastar por esses dias mal chegava para uma voltinha no carrossel ou uma santinha de açúcar que se pendurava ao pescoço e se ia saboreando lentamente.
Mas, a propósito disto, lembro-me de um episódio que me acompanhou durante muito tempo e ainda hoje recordo muitas vezes: Teria os meus sete ou oito anos, uns primos do meu pai que viviam em Lisboa, mas que por essa altura estavam a passar férias na nossa casa, deram-me uma moeda de vinte e cinco tostões (era muito dinheiro para mim que não estava habituada a tanto, mas também devia ser bastante para eles que tinham ar de gente fina, mas fama de forretas). Era uma moeda novinha, muito brilhante e um pouco diferente daquelas, já meio gastas, que estava habituada a ver.
No dia seguinte, assim que pude escapar de casa, fui para a praça com a moeda bem apertada na mão. É que no dia anterior tinha andado a namorar um “fogão a gás” de plástico, réplica perfeita dos modelos com que as nossas mães sonhavam, para substituir os velhos fogareiros a petróleo.
Lembro-me que me sentei num banco de pedra, em frente ao balcão da escola, e fiquei ansiosamente à espera que abrissem as tendas. Enquanto esperava, veio sentar-se por perto o Espanhol e eu, qual carochinha que se acha de repente rica, mostrei-lhe a moeda que me tinham dado. Ele olhou para ela, depois para mim e disse-me, com o ar mais convicto deste mundo: “Olha que isso é falso. Bota isso fora que se a guarda te apanha leva-te pó posto!” Fiquei de tal maneira amedrontada que atirei a moeda para o chão, para o mais longe que pude, e voltei para casa com o coração apertado, num misto de medo e uma enorme frustração.
Quando cheguei a casa e contei o que tinha acontecido deram-me uma grande descompostura e mandaram-me ir à procura do dinheiro. Voltei à praça para ver se ainda achava a moeda, mas claro, não a encontrei.
Sempre preferi acreditar nas boas intenções do Espanhol e que a moeda se perdeu enterrada no chão que ainda era de terra; mas se não foi o caso, que os copitos que pagou tenham feito bom proveito a quem os bebeu…

Nota: Achei interessante o facto de o texto do livro de Albano Mendes de Matos referir um domingo de Setembro como o dia da festa do Santo Cristo. Das Festas serem em Setembro, quase todos nos lembramos, mas o dia em honra do Santo Cristo é, desde que me lembro, a segunda-feira. Houve certamente uma evolução em termos do calendário das Festas e dos santos venerados, como é natural…

M. L. Ferreira

terça-feira, 19 de março de 2013

segunda-feira, 18 de março de 2013

A Casa Grande

Acabo de ler o romance "A Casa Grande", de Albano Mendes de Matos, nosso conterrâneo do Casal da Serra e guardião de muito do nosso património oral.


O livro retrata a realidade local, no século XIX.
No capítulo 15, "As confessadas e o anjinho", aborda as nossas Festas de Verão e começa assim:

«A festa do Senhor Santo Cristo era sempre num domingo de Setembro. Ainda os ardores do Sol rebentavam em camarinhas de suor. Em Setembro ou secam as fontes ou rebentam as pontes. A festa, civil ou popular, com foguetes cantares e bailaricos, e a festa religiosa, com procissões, cânticos, sermões e penitências, começavam a preparar-se com meses de antecedência. Alguns ausentes chegavam-se à vila uma vez por ano, para assistir aos festejos em honra do Senhor Santo Cristo. Havia fatiotas novas, comida ritual melhorada, cabritos, borregos, cabras e galinhas escolhidos para o sacrifício, bolos de azeite, pão leve, coscoréis, presuntos e paios, aletria, arroz-doce e papas de carolo. E as melancias, que chegavam em carros de bois, logo pela madrugada. O Largo e algumas ruas engalanadas com ramagens verdes. As casas asseadas, como na Páscoa, as ruas varridas e limpas de trastes velhos.»

José Teodoro Prata

sexta-feira, 15 de março de 2013

Festas de Verão, 2013


BREVES

           1 – CONTRIBUIR PARA AS FESTAS DE VERÃO DE 2013

Quem queira contribuir para as Festas de Verão 2013, pode fazê-lo através do NIB: 0035 0749 0000 3627 4008 2 ou o IBAN: PT5000 3507 4900 0036 2740 082 (este para quem se encontra no estrangeiro). A operação deve ser efectuada numa caixa multibanco normal (onde aparece o nome do destinatário). Por isso, não se esqueçam que, antes de dar a ordem de transferência, “confirmar”, devem conferir o nome do titular da conta, a “Comissão de Festas”.
                                   
2 - PEDITÓRIO DO AZEITE

Quase toda as pessoas da Vila (as que habitualmente lá residem ou que, por esta ou aquela razão lá se encontravam naquele dia), sabem que, como foi prometido, se procedeu, no dia 20 de Janeiro último, ao tradicional peditório do azeite.
Pode dizer-se que, em geral, houve uma boa aceitação por parte da população; ou não fosse este acto de pedir a esmola do azeite em Nome do Senhor Santo Cristo, uma tradição de décadas ou mesmo séculos.
Para além dos actos religiosos, era com estes parcos recursos de que a população dispunha, na maioria produtos que a terra dava, que se faziam “festas rijas”.
Não havia “artistas” ou estes eram inacessíveis. Os programas assentavam na contratação de uma aparelhagem sonora (quando foi possível dispor desta maravilha da técnica).
A banda de S. Vicente, como era da casa, estava automaticamente convidada a participar (pelo menos a partir de 1910, imagina-se, ano da sua fundação).
A banda tinha e continua a ter um papel relevante. Se nos actos profanos concorre, hoje, com outros meios de diversão, nos actos religiosos, tem ainda um papel fundamental. A música, como é sabido, sempre foi uma das grandes homenagens do Homem às Entidades Divinas. Em S. Vicente, pense-se numa Missa Cantada (por elementos da banda, com vozes masculinas e barítono); ou numa procissão com (ou sem) banda. Enquanto crianças, achávamos as Missas Cantadas intermináveis, sendo precisa uma grande dose de paciência para assistir até ao fim. Coisas de jovens! Hoje creio que é uma pena não se reeditarem essas Missas (mantendo a matriz, mas podendo-se inovar face ao antigo formato). E, certamente, será até possível conciliar a beleza dessas Missas com alguma brevidade.
O fogo, por sua vez, era uma das manifestações mais emblemáticas dos festejos, sendo que era pela quantidade de foguetes, latadas e castelos (tudo do domínio da arte da pirotecnia), que a festa era considerada (ou não) como “festa rija”.
A quantidade de fogo deflagrado durante a festa (avaliado sobretudo pela alvorada de 2ª. feira), pelo peso que tinha no orçamento, era a medida da capacidade económica da população e talvez representasse, pelo esforço despendido, outra das maiores homenagens aos santos em honra dos quais a festa se realizava, especialmente, o Senhor Santo Cristo que, havia séculos, nos tinha livrado da praga de gafanhotos.
Era também por essa razão (a do lançamento de grandes alvoradas), que a festa rivalizava com as aldeias vizinhas.  
Os tempos são outros.
Mas, já se vê, a razão que desconhece todas as razões do coração – a dolorosa razão do compromisso – essa mantém-se. E é necessário porfiar.

                            3 - RESULTADO DO PEDITÓRIO

Assim, no dito peditório de 20 de Janeiro último, conseguiu-se angariar um total de *750, 00 € e 50 Litros de azeite.  
Somos pelas contas transparentes. Só não publicamos a lista nominal dos donativos porque isso depende da autorização expressa das pessoas, da qual não dispomos. 
Vamos ver como nos desempenhamos do nosso papel. Porque, agora digo eu: “desarmada a festa se verá o que nos resta”. 

Mas, estou certo, todos irão contribuir, pois: PRECISAMOS DE TODOS.

Obrigado e até breve.
 
A Comissão de Festas,

zb 

quinta-feira, 14 de março de 2013

José Lourenço - Poema

Em 1957, o nosso poeta veio a Castelo Branco e escreveu sobre as Festas da Cidade. O poema foi publicado no jornal Beira Baixa, de 7 de julho.
(Ortografia da época)

Á nobre e linda cidade de Castelo Branco

Castelo Branco altaneiro!
Ó progressiva cidade!
Não há no país inteiro
Terra de mais claridade.

Albicastrense doutrora
Como te encontras bonita?!
Quem te viu e vê agora
Quase que não acredita.

Castelo Branco - os desejos
De matar a saudade,
Me trazem hoje aos festejos
Da tua linda Cidade.

Sois, ó lindas castelãs,
Brancas da cor da verdade,
Os aluares das manhãs
Que enfeitiçais a Cidade!

Anda aí Castelo Branco
Todo ufano e a vibrar,
Num sorriso alegre e franco,
Pela Feira Popular.

Vinde aqui, povos da Beira,
A ver a desenvoltura
Das Castelãs, pela Feira
Mostrando a sua brancura!

Ó Castelo guardião
Da Beira, em largo espaço,
Branco é nome que te dão
Mas tu és da cor do aço!

Não há Castelã prendada
Que pense em mudar de estado
Sem ter a colcha bordada
Pró dia do seu noivado.

Gosto de na tua Sé
- Castelo Branco adorável -
Entre as imagens da fé
Ver o Santo Condestável.

Albicastrense querida
Leva-me no teu regaço
A ver o Parque, a Avenida
E as estátuas do Paço.

Ser leal, honesto e franco
É o timbre dos Beirões
E os de Castelo Branco
Honram sempre as tradições.

Lavrador deste torrão,
Quem te sustenta e aos teus?
- É o trabalho e o pão
E a graça de Deus.

A mulher Albicastrense
Tem de ser sempre bonita
Mesmo que ela mais não pense
Que usar vestidos de chita.

Castelo Branco, penhor
Duma vida sã e calma!
É morena a tua cor
Mas é branca a tua alma.

Feliz de quem vive aqui
Desde o seu ó-ó primeiro
E pode dormir em ti
O seu sono derradeiro.

Festas da Cidade
1957

José Pires Lourenço
(S. Vicente da Beira)

José Teodoro Prata

segunda-feira, 11 de março de 2013

A Procissão dos Terceiros


Depois de uma semana chuvosa, estávamos todos a rezar para que o S. Pedro fizesse um milagre e nos desse um domingo solarengo. Sabe-se lá porquê, as preces não foram ouvidas e o sol não apareceu durante todo o dia.
Mesmo assim, à hora marcada, os andores estavam todos prontos para sair e também já havia muita gente à espera, junto da Capela de Santo António. Mas a chuva teimava em cair…
Finalmente, por volta das três da tarde, apareceu uma aberta e saiu o primeiro andor: o Paraíso Terrestre. A pouco e pouco seguiram-se os restantes treze.
Como é hábito, à medida que cada andor ia saindo da capela, o Padre José Augusto, que fez a procissão este ano, ia explicando o significado das imagens e de outros símbolos representados em cada um dos andores.
Este ano, por causa do mau tempo, estas explicações foram muito resumidas. Foi pena, porque cada um dos santos representados tem uma história de vida interessantíssima, mesmo para além do âmbito da religiosidade, que vale a pena ser lembrada.
Também por causa da chuva, o percurso foi mais reduzido e por isso não se percorreram as ruas do cimo de vila.
Apesar de todas estas dificuldades e alterações que tiveram que ser feitas, foi bom que a procissão se tivesse realizado. Muita gente tinha sido mobilizada: os Irmãos da Ordem Terceira que prepararam os andores; as pessoas que os transportaram (penso que mais de sessenta); as crianças que, vestidas de anjo ou de outra personagem qualquer alusiva à quadra, aguardavam com alguma ansiedade o desempenho do seu papel; as instituições mobilizadas, nomeadamente os bombeiros e escuteiros e as muitas pessoas que, com mais ou menos fé, queriam participar. Teria sido muito frustrante para todos se a procissão tivesse sido cancelada e dificilmente se conseguiriam mobilizar todas as pessoas para uma nova data.
Havia muita gente de todas as idades, o que ultrapassou as minhas expectativas, mas nada que se comparasse às procissões de antigamente que enchiam as ruas da nossa terra. Os tempos são outros e as perceções também, mas penso que um evento como este, que é único na nossa região e, parece-me, acontece apenas em mais duas ou três localidades em todo o país, merece ser mais divulgado e participado.
São as pessoas que fazem as coisas existir e perdurar, quer se trate de lugares, instituições, tradições, etc. Por isso temos todos que ser ainda mais participativos e fazer a nossa terra continuar a viver para além de nós. Só conseguiremos isso se mantivermos vivo o património que os nossos pais nos deixaram!

M.L. Ferreira




Fotografias de Ana Jerónimo Patrício

domingo, 10 de março de 2013

Dia da Mulher



Como lembrou a Maria do Carmo Prata, de forma emocionada, este ano comemorou-se, pela 13ª vez, o Dia Internacional da Mulher na nossa terra. Parece que, nos primeiros anos, o número de participantes não foi muito grande, mas ao longo do tempo tem-se verificado um aumento progressivo de inscrições e este ano o restaurante da Mila foi pequeno para o número de mulheres que quis participar.
Estiveram presentes mulheres de todas as idades: crianças, muitas jovens e mulheres que já fazem parte da nossa história, como a Ti Janja. Foi uma emoção ouvi-la cantar um fado que, como ela fez questão de referir, nos devia fazer chorar a todas. De facto, o poema falava do sofrimento de uma mulher que era assediada por um homem rico e poderoso (fez-me lembrar a canção do José Mário Branco “Casa comigo Marta”). Mas no fado da Ti Janja, depois de muita luta e sofrimento, tudo acabou em bem e, como a própria rematou, de forma bem-humorada, perante a firmeza da mulher em manter-se fiel ao marido “o gajo meteu o rabo entre as pernas e deixou a rapariga em paz”. É um poço de sabedoria, esta mulher!
Para além de um pequeno resumo da história e motivações que levaram à comemoração deste dia, a Maria do Carmo lembrou também algumas das mulheres da nossa terra que já partiram, mas que deixaram marcas em todos nós. É o caso da Menina Maria de Jesus, da Menina Nelita, da Menina Isaura e da Menina Ilda.
Nunca se casaram e por isso ficaram sempre “meninas” dedicadas ao serviço da terra. Quase todos nós nos lembramos delas, quer como catequista ou noutras atividades ligadas à igreja ou à comunidade; a Menina Isaura com as suas mãos habilidosas a fazer os curativos no hospital ou cenas de presépios que ainda hoje nos fazem sonhar; a Menina Ilda, na cantina da escola, onde éramos obrigados a beber o óleo de fígado de bacalhau que só conseguíamos engolir com um gomo de laranja, mas também onde comíamos aquele queijo flamengo cujo sabor ainda guardo na boca.
A todas elas e tantas outras o nosso agradecimento!

M. L. Ferreira

Nota: Comissão para o próximo ano - Ana Jerónimo Patrício, Catarina Martins e Vânia Santos.





Fotografias de Ana Jerónimo Patrício e Chantal

quinta-feira, 7 de março de 2013

José Lourenço

Uma das personalidades de destaque na publicação "A Menina e o Poeta" é José Pires Lourenço, o poeta que adotou São Vicente como a sua terra e a quem os vicentinos retribuíram considerando-o o seu poeta.

José Pires Lourenço e sua esposa, Dona Palmira.
Foto cedida pelo Dr.º Lino.

Biografia:
- Nasceu na Póvoa da Atalaia, em 1891.
- Era filho de António Lourenço e Maria Vitória, naturais e residentes na Póvoa da Atalaia.
- Entre 1905 e 1909, trabalhou como ajudante de feitor agrícola, nas Zebras, em casa de Albano Caldeira.
- Aos 14 anos, a antologia «Poesias Selectas» revelou-lhe a paixão da sua vida: a poesia.
- Em 1920, casou com Palmira Ribeiro de Azevedo, natural de S. Vicente da Beira.
- De 1909 a 1926, viveu na Borralha, na casa mãe dos condes da Borralha.
- No ano de 1926, fixou-se em S. Vicente da Beira, como feitor da Casa Conde.
- Viveu na rua do Convento, em solar de 1888, construído no local do antigo convento das Religiosas Franciscanas.
- Foi poeta durante toda a vida, mesmo depois de cegar, em 1957. Ditava os versos ao filho António Lourenço Azevedo ou a quem lhos pedia. Reuniu a sua poesia em dois volumes que nunca publicou.
- Colaborou nos jornais «Voz do Santuário», «Beira Baixa» e «Pelourinho».
- Faleceu em S. Vicente da Beira, no ano de 1970. 

Lá por eu em São Vicente 
Não ser nado nem criado, 
Espero sinceramente
De ser aqui sepultado.


Solar construído no local do antigo convento e adquirido por José Lourenço à família Cunha. 

segunda-feira, 4 de março de 2013

Recordar a nossa Quaresma

A Quaresma e as festividades pascais eram os pontos altos da religiosidade cristã, em São Vicente da Beira. 
Entre a Quarta-Feira de Cinzas e a Missa da Aleluia, vivia-se em tristeza e sacrifício. Era no momento em que Deus se tornava igual a nós, homem e sofredor, que mais nos identificávamos com Ele. 
Abstínhamo-nos de distrações mundanas, num crescendo de concentração e privações. Fazíamos as ladainhas à noite, depois as novenas na Misericórdia, no passado mais longínquo em procissão à Senhora da Orada, e a Procissão dos Terceiros, a lembrar homens e mulheres que mais se haviam aproximado de Deus. E ainda os martírios e a encomendação das almas, para estarmos à altura do seu sofrimento, já anunciado na festa do Domingo de Ramos. 
Na Quinta-Feira Santa, Cristo fez-se o mais humilde dos homens e lavou os pés sujos dos seus discípulos. Depois um deles traiu-o e nenhum de nós queria ser esse judas. Da quinta para sexta, sofreu o que só Deus, seu pai, sabe. Na sexta à tarde colocaram-lhe uma cruz às costas e nós seguíamos atrás dele, para que não se sentisse abandonado. Na Fonte Velha, juntávamos ao cortejo a sua mãe e seu discípulo João, para melhor o reconfortar. E assistíamos à sua morte terrena, no calvário. Um manto de silêncio e tristeza abatia-se sobre a Vila. Nem os sinos soavam, substituídos pelas matracas. À noite, no escuro, fazíamos o seu enterro, em ambiente de consternação total, envoltos pelo toque choroso da marcha fúnebre da filarmónica e pelo canto triste da Verónica. 
E as nossas vidas ficavam em suspenso até sábado à noite, mesmo nos preparativos da Páscoa. E à meia-noite, quando o senhor Vigário proclamava a Aleluia, os fiéis explodiam de alegria, ao toque de campainhas e chocalhos, a festejar a ressurreição de Cristo. A festa prolongava-se pelo domingo e semanas seguintes, pois tão importante era sermos solidários com o seu sofrimento como alegrarmo-nos com a sua passagem para o Pai. 
São estas tradições ancestrais que podemos revier, este ano, em São Vicente da Beira.
José Teodoro Prata


Ladainhas, 24/02/2013



Fotos de Ana Jerónimo Patrício

domingo, 3 de março de 2013

Neve na serra

Na noite de quarta para quinta-feria, nevou nos altos da Gardunha.
O Dário Inês mandou-nos imagens.




sábado, 2 de março de 2013