quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Amoras silvestres


Começou (para mim, no Ribeiro de Dom Bento/na serra) a temporada das amoras.
E com as chuvas da semana passada ainda vão ficar melhores!
Num ano desgraçado como este, é a minha primeira fruta.
Tardes, compotas... Com amoras silvestres, fica tudo excelente!

Não há quem me mande uma foto da trovoada?

José Teodoro Prata

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

D. Pedro, Conde de Barcelos - palestra

Reina grande alvoroço em São Vicente desde 5.ª feira da semana passada. É sempre assim, quando o Conde de Barcelos, D. Pedro, aqui pousa com os seus homens, a criadagem e as suas bestas. No entanto, não é isto nada se comparado com o sucedido no ano de 1344, quando o conde aqui instalou um paço e nele a mulher que ama, D. Tareja Anes de Toledo, sua amante.
É D. Pedro um homem de uns onze palmos de altura, com envergadura correspondente, de cabelo crescido e sobremaneira ruivo, o que é uma raridade. De porte altivo e bem apessoado, ele, que é homem dos seus 60 anos, tem, de rico e poderoso, mais do que qualquer outro em Portugal.
D. Pedro é fruto de uma ligação de D. Dinis com D. Graça Froes, pertencente a uma importante família de Torres Vedras.  Este homem, exímio na arte de andar a cavalo, corre desde madrugada os montes do termo de São Vicente, em perseguição de caça grossa, como gosta de fazer sempre que aqui vem em especial no meio do Inverno.
Nem só à caça se dedica o Conde em São Vicente. Se faz mau tempo, o paço anima-se em serões que se alongam pela noite. Acodem jograis com as suas trupes, atraídos pela perspectiva de dormida e comida gratuitas e de uma remuneração compensatórias.  D. Pedro também costuma contratar vilãos de São Vicente para, no paço, cantarem e dançarem as suas modas populares, que muito aprazem à fidalguia presente.
D. Pedro é homem de grande cultura, que dedicou alguns anos da sua vida - entre 1325 e 1344, dizem - a compilar uma Crónica Geral de Espanha; antes disso, fizera já a compilação de um Livro de Linhagens. E pedem muitas vezes as damas que o Conde recite algumas dessas cantigas de amor que ele compôs, ou mesmo outras de autores vários, o que ele de costume faz de boa vontade.

José Miguel Teodoro, No Tempo dos Avós mais Velhos,  GEGA, S. Vicente da Beira, 2003 (adaptação livre das páginas 62 a 64)


José Teodoro Prata

domingo, 28 de agosto de 2016

O nosso falar: rabeiras

Rabeiras vem de rabo, cauda, o que fica para o fim.
No que aos cereais diz respeito, pois é isso que aqui me traz, o significado que apresenta o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa 2001 é: «6. Resíduos miúdos que ficam depois de joeirados os cereais; pragana do grão.»
Mas a minha mãe dá-lhe ainda outro significado. Há dias, conversávamos sobre a alimentação dos galináceos em geral, os perigos das farinhas com aceleradores de crescimento e medicamentos.
Ela respondeu-me que não havia perigo, pois comiam rabeiras que o João Ventura vendia. Tentei entender e explicou-me que eram uma mistura de cereais mais reles que não eram aproveitados para fazer farinha.
Penso que são sacos com uma mistura de sementes, nem todas de cereais, mas também de gramíneas e leguminosas.
Em todo o caso, para a minha mãe, rabeiras são restos de cereais, os que não prestaram para farinar e por isso são dados aos animais.

José Teodoro Prata

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Tempo livre

Há uns tempos, o Ernesto Hipólito ofereceu-se um livro antigo. Foi a minha leitura deste verão.
Chama-se A Paixão de Jane Eyre e foi escrito por Charlotte Bronte, irmã da autora do Monte dos Vendavais. A primeira edição saiu, em Inglaterra, no ano de 1847. A edição portuguesa não está datada e parece ser de meados do século passado.
A ortografia é diferente da atual e também da anterior ao acordo ortográfico agora em vigor. Além dos aspetos visíveis, ainda se usava o ponto de interrogação invertido no início da frase interrogativa (que não pude reproduzir).
No trecho que aqui vos deixo, a cena passa-se num colégio de meninas órfãs, propriedade da Igreja Evangelista local. Decorre uma visita/inspeção do pastor, acompanhado pela sua esposa e filhas…

Entretanto, Mr. Brocklehurst, em pé, diante do fogão, com as mãos atrás das costas, passava majestosamente revista à classe inteira. De repente, piscou os olhos, como se qualquer coisa lhe ferisse ou chocasse a vista; virando-se, disse com um tom mais rápido que até aí.
- Miss Temple, Miss Temple! Quê? Quem é aquela aluna com cabelos frisados? Cabelos vermelhos, senhora, e frisados, todos frisados?
Levantou a bengala e apontou êsse horrível objecto; a sua mão tremia.
- É Júlia Severn – respondeu, com tôda a tranquilidade, Miss Temple.
Júlia Severn, hem? E porque frisou ela os cabelos? Porque razão, apesar de todos os princípios e regulamentos desta casa, uma casa evangélica, um estabelecimento de caridade, procede ela como se estivesse lá fora, no mundo? Aqui não se querem caracóis!
- Os cabelos de Júlia são assim mesmo, naturalmente encaracolados – respondeu Miss Temple, ainda mais tranquila.
- Naturalmente! Sim, mas nós não nos devemos conformar com a natureza; quero que estas meninas sejam filhas da Graça. E depois, porque tanto cabelo? Já disse, e torno a dizê-lo, que quero os cabelos penteados, com modéstia e simplicidade. Miss Temple, é preciso mandar cortar os cabelos a essa menina: mandarei amanhã um barbeiro. E estou a ver aqui outras com excesso dessas excrescências. Aquela crescida, diga-lhe que se volte. Diga à primeira divisão que se levante. Que se virem tôdas para a parede.
(…)
- Êstes carrapitos têm de ser cortados.
Miss Temple pareceu discutir.
- Minha senhora, - prosseguiu êle – sirvo um Amo cujo reino não é deste mundo: a minha missão é mortificar nestas raparigas as vaidades da carne e ensinar-lhes a vestirem-se com modéstia e sobriedade, e não a trazerem os cabelos enfeitados com ricos atavios. Cada uma das raparigas aqui presentes anda penteada como se a vaidade em pessoa a tivesse arranjado por suas mãos. Repito: êstes cabelos têm que ser cortados; pense no tempo perdido…
Aqui, Mr. Brocklehurst foi interrompido pela entrada de três senhoras. Pena foi que não tivessem chegado um momento mais cedo, para ouvirem êste sermão sôbre os adornos, pois vinham admiràvelmente vestidas de veludo, sêdas e peles. As duas mais novas (duas lindas raparigas de dezasseis a dezassete anos) traziam feltros cinzentos; à moda de então, enfeitados com penas de avestruz e, sob os graciosos chapéus, viam-se-lhes as tranças e os caracóis; a mais velha das três vinha envôlta num rico chaile de veludo enfeitado de arminho e com uma franja de cabelos postiços tôda encaracolada.
As senhoras foram recebidas com tôda a deferência por Miss Temple (eram Mrs. e Misses Brocklehurst) e conduzidas aos lugares de honra, ao fundo da sala.


José Teodoro Prata

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

O fogo

No ano 2003, a nossa região foi terrivelmente afectada pelo flagelo dos fogos, até ao dia sete de Agosto tinham ardido em Portugal cento e sessenta e dois mil hectares de mata, proprietários mais pobres, o país também. A erosão dos solos, as cheias, o aquecimento global…
São dessa época os versos que seguem.


A temperatura baixou, os fogos terminaram
Por agora…
É tempo de fazer balanço na fauna e flora
E às matas que os fogos queimaram

Montes e vales despidos
Sem nada a protegê-los
Passa o vento aos gemidos
Assassinos, grandes camelos

Por montes, vales e baixas
Tudo a chama e o lume levou
Foi-se a floresta, a terra ficou despida
O fogo, tudo destruiu e queimou

A ganância de alguns é tanta
Que tudo querem destruir
As serras sem a sua manta
Choram, choram; não podem rir

As televisões mostraram
Esta miséria sem igual
Casas, florestas, hortas, queimadas
Neste nosso Portugal

As aldeias ficaram mais pobres
Tudo, o fogo consumiu e levou
De negro e cinzas a montanha se cobre
O fogo, tudo comeu e matou

Tocam os sinos a dobrar
Reza-se ao Criador
Levam-se os mortos a enterrar
Os que morreram naquele horror

Do Violeiro à Enxabarda
Do Ingarnal a Oleiros
Muitos ficaram sem nada
Casas, hortas e palheiros

Gente que vivia da terra
Gente de paz e bem
Mais parece uma guerra
Tantos ficaram sem vintém

Senhores lá de Lisboa
Nossas gentes venham ver
Não têm nada, nem uma broa
Ficaram sem nada para comer

Gentes de Trás da Serra
Tendes na mata o sustento
Vencereis esta guerra
Com denodo e alento

No alto daquele monte
Vejo uma planta a nascer
Perto brota uma fonte
Que a ajuda a crescer

Já oiço os passarinhos
Com seu alegre chilrear
Construindo seus ninhos
No seu novo e belo lar

A montanha a pouco-e-pouco
Está novamente verdinha
Que nunca mais nenhum louco
A queime, deixando-a nuazinha

Todos juntos em união
Venceremos estas batalhas
Temos todos mais que razão
Não nos dêem mais migalhas

Se nos querem ajudar
Ponham as máquinas a trabalhar
Para a terra lavrar
A semente semear
A planta brotar
Crescer, crescer sem parar
Para o povo se alimentar
O ar se purificar
A ave nidificar
O animal se criar
A lareira aquecer o lar
O povo deixar de mourejar
E nunca mais o fogo voltar


Zé da Villa

terça-feira, 23 de agosto de 2016

O nosso falar: ir para a Devesa

No passado, grandes extensões do antigo concelho de São Vicente da Beira eram terras baldias. Era o caso dos enxidros e de quase toda a área do triângulo Louriçal-São Vicente, Ribeirinha e Ocreza, até abaixo do paredão da atual barragem de Santa Águeda. Nestes baldios, os povos tinham a liberdade de apascentar os gados e colher lenha e mato. Às vezes havia limitações, mas estabelecidas pela Câmara.
A Devesa era o baldio mais próximo da Vila. Por isso, ainda nos anos 60 e 70, quando crianças e jovens importunavam os adultos com jogos de bola ou correrias, na Praça ou em qualquer rua, logo vinha o "convite":
- Vão para a Devesa!

José Teodoro Prata

sábado, 20 de agosto de 2016

As coisas que o Pedro sabe

Às vezes até me deixa de boca aberta com o que ele sabe sobre a nossa terra – a História e as histórias, as gentes, os lugares, as tradições… É verdade que teve uma boa mestra, mas, mesmo assim, não deixa de surpreender. Ainda por cima é uma pessoa generosa, sempre disposto a partilhar o que tem e o que sabe, e a ajudar quem precisa.
Aqui há tempos encontrei-o na Praça. Tirou uma coisa do bolso e parecia um menino:
- Olhe aqui, sabe o que é isto?
- Sei lá agora, Pedro…
- Chama-se um barbilho.
De repente fez-se luz e lembrei-me do tempo em que via o meu avô, no Mato Branco, a berrar atrás de algum borrego ou cabrito:
- Grande filho duma cabra, com o corpanzil que já tem e ainda agarrado às tetas da mãe! Deixa estar que já te cozo!
Ao outro dia, embarbilhado, que remédio tinha o bicho senão fazer pela vida, e a minha avó toda contente com o queijo mais avultado.

Barbilho
 É utilizado para desmamar os cabritos e borregos. Mete-se a parte de madeira dentro da boca do animal e a tira de couro passa por cima do nariz. 
As guitas atam-se aos cornos ou, no caso de ser moucho, passam por trás das orelhas e atam-se ao pescoço.

Um dia destes encontrei-o no estaleiro da Junta. No meio de tantas velharias, mostrou-mas como se fossem tesouros. Sabe o nome, função e proveniência de tudo, e diz que ainda um dia lhes há de voltar a dar vida.
Numa caixa, bem acondicionados, tinha as últimas aquisições:
  
Um chocalho
É maior, se for para as vacas, ou mais pequeno, se for usado por cabras e ovelhas.

Badalos
O som do chocalho depende do tamanho e da forma do badalo.

Chavetas   
São utilizadas como fivelas para prender a coleira do chocalho.

Travincas
Serviam para ajudar a fixar e apertar a corda dos molhos de lenha, mato ou erva.

Todos estes objectos eram feitos à mão, muitas vezes pelos pastores. A madeira utilizada era quase sempre o carvalho, a oliveira ou o azinho, por ser mais rija. Muitos faziam também pífaros, fisgas, fundas e outros objetos de madeira, cortiça, osso e couro. Era uma maneira de enganarem a solidão dos dias...

M. L. Ferreira

Nota: Os objetos e explicações são do Pedro Gama.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Lagares

Em São Vicente da Beira, existiam 9 lagares e quase todos com azenhas, sem contar com os que existiam nas anexas.

Lagar do António Neto
Lagar da Natividade Lino
Lagar do César
Lagar do Major
Lagar do João Corredoura
Lagar do Mesquita 
Lagar João Dias 
Lagar Fundeiro (barragem do Pisco)
Lagar Padre José Sarafana  

É triste que não exista um museu sobre a produção do azeite!

Jaime Gama

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

O terramoto de 69

Naquele tempo, já passaram tantos dias, tanto tempo.
A colheita da azeitona tinha terminado, o azeite (bastante fino por sinal, não fossem oliveiras de São Vicente) guardado nos velhos potes de barro, a safra tinha sido boa. A feira de São Vicente assim o demonstrou, muita mercadoria e muitos compradores, a praça repleta de tendas, cada feirante expunha seus produtos:-brinquedos de lata, bonecas de papel, lençóis estampados, panos de fioco, surrebeco, camisas de popelina, aventais, xailes, lenços para tapar as cabeças às mulheres; (só podiam entrar na igreja com a cabeça coberta por um lenço) nunca entendi o porquê:- os homens chapéu na mão, cabeça destapada, as mulheres…
Sapateiros expunham seus trabalhos; botas cardadas... Na pequena praça Hipólito Raposo cancelas guardavam leitões, as vacas ficavam na fonte velha, a praça fervilhava de gente de toda a freguesia e freguesias limítrofes. Sacristão subiu as escadas da torre e tocou a última, padre Tomaz desmonta do cavalo, entrega a alimária ao Zé maiaca, entra na sacristia. Enquanto se paramenta vai rezando em latim:
- Ne reminiscáris, Dómine, delicta nostra… não vos recordeis Senhor dos nossos delitos…
Ouvem-se as doze badaladas, vigário, costas voltadas para os fiéis, de frente para o altar, inicia a santa missa; são raras as vezes que começa a eucaristia a horas. Pudera; estradas não havia, abundavam os caminhos escalavrados e as veredas; o rebanho era grande, cavalo de vez em quando não queria subir a Costa, ladeira íngreme.
Chovesse, nevasse, fizesse sol, noite ou dia padre Tomaz tinha que estar sempre pronto para acudir aos seus paroquianos, a santa unção não se podia negar a um moribundo.
Igreja à cunha, ouvia-se perfeitamente o ruido dos feirantes e das pessoas
In nomine Patris, et Filli et Spíritus Sancti…
Ite missa est.
Deo gratias.
A praça é um mar de gente, a taberna do Zé canhoto, fica em frente à porta principal do templo, enche-se de fregueses que emborcam copos de vinho. Alguns, poucos, bebem pirolitos, a praça fervilha, a feira está forte, a azeitona teve boa funda, os leitões eram vendidos por duas, três notas. Ano de azeite, feira forte; ano de pouco azeite, a feira não é tão boa.
Padre Tomaz, sempre preocupado com os Aldeões, os Canavéis, quando tinha um tempo livre ia ver como estava o renovo, se o Zé maiaca tinha os mimos a seu gosto.
Foi professor no seminário do Fundão, durante quarenta anos paroquiou a vila. O escritor Virgílio Ferreira recorda-o no seu livro Manhã Submersa. Terá sido talvez o principal impulsionador para que admitissem Joaquim Alves Brás no seminário. Certa vez, a convite do seu colega António, irmão de Alves Brás, foi passar uns dias a Casegas. Alves Brás já não era nenhuma criança, padre Tomaz viu qualidades naquele adolescente. António não estava muito inclinado para que o irmão entrasse para o seminário: era coxo. Voltando-se para o colega disse-lhe:
- Ser coxo não é impedimento, teu irmão vai ser um bom sacerdote. Monsenhor Alves Brás foi o grande protector das criadas de servir, fundou as casas de Santa Zita, o seu lema era "Ajudar as criadas de servir".
À saída da missa. uma mulher andava à procura do seu homem e não o encontrava.
Está metido nalguma baiuca, não se perde.
Eu casei na igreja da vila, viemos a pé da Partida, foi o padre Tomaz quem nos casou, a minha mãe ficou viúva muito nova, já tinha dois filhos quando se casou com o meu pai que também era viúvo e tinha oito filhos; era mais velho que a minha mãe treze anos. Minha avó, mãe da minha mãe, não queria que minha mãe casasse com ele:
- Vais casar com um homem que já tem oito filhos… Ainda tiveram mais quatro: nosso Luís, a nossa Gracinda, eu e o meu irmão Manuel que morreu novo.
Como as coisas são, se não se tivessem casado não estava cá.
Todos gostavam muito da minha mãe, ela também gostava muito de todos, nunca houve a mais pequena coisa entre nós, sempre nos demos muito bem, a fartura não era muita, mas também não passávamos fome.
Minha mãe subia a serra em direcção à Paradanta, fui com ela algumas vezes; passávamos no Vale do Urso, em direcção ao Fundão.
A minha mãe levava uma cesta de ovos à cabeça, no Fundão trocava-os por loiça, depois ia para as Rochas de Baixo, Almaceda… onde a vendia. Trocava-a por sementes, não havia dinheiro. Milho, trigo, feijão… A minha mãe enchia uma caneca de sementes e fazia assim a venda.
Havia peças que tinham de se encher mais que uma vez, conforme o valor…
Um dia, fui com a minha mãe às Rochas, cheguei a um ponto que já não queria andar, era muito nova ainda.
Éramos muitos irmãos, nunca passámos fome. Certo dia fui a Castelo Branco ver o meu irmão que andava na tropa. Abalámos de manhã cedo com os ganhões que levavam madeira.
Quando era solteira, íamos a pé para Castelo Branco apanhar a azeitona, à noite era uma alegria, dançávamos ao toque do realejo…
Além vai o seu homem.
Onde é que tens andado homem! Estão ali uns leitões que metem cobiça, vamos lá comprar um, são uma boquinha lavada, comem tudo o que a dona lhes deita, se o Santo António o guardar, para o ano fazemos uma boa matação.
Ó ti Maria quanto quer por este leitão?
- Duas notas e meia.
- É muito, damos-lhe duas notas, mesmo assim é caro.
- Deixe cá ver o dinheiro, leva coisa boa.
(…) Senhoras e senhores aproximem-se, cá está o homem da banha da cobra. Venham ver esta maravilha, uma pomada que faz bem ao lumbago, dores nas costas, cura feridas… Quem comprar uma bisnaga, não leva uma, nem duas, mas três, é uma pomada milagrosa. Um conjunto para aquele senhor, para aquela senhora… aproximem-se, venham experimentar, as dores das cruzes desaparecem!
- Olha o homem das calças baratas, hoje perdi a cabeça, o custo não paga o feitio, quanto mais o pano, vejam estas calças de cotim…
As pessoas aos poucos vão partindo para suas casas, os feirantes arrumam as tendas, a noite aproxima-se a passos largos, para o ano nova feira, outras compras…
O mês de fevereiro é o mais curto mês e o menos cortês. O rendeiro da quinta da Casa Conde terá sido sondado para que as pessoas da vila pudessem fazer um curso de poda de oliveiras.
Muitos adolescentes, e alguns homens de mais idade, aproveitaram a oportunidade. Todos receberam uma tesoura e um serrote. O monitor chamava-se Gutterres, regente agrícola, tio do engenheiro, boa pessoa, paciente com os formandos. Avancemos.
- Ó Ana, não sei o que se passa com as nossas ovelhas, andam esquisitas; na Barroca saltam de uns leirões para os outros, não pegam na erva. Até o nosso piloto, farta-se de uivar…
Tem graça que as nossas galinhas também andam alvoroçadas, esta manhã não puseram um ovo. Fevereiro estava no fim, a noite igual a todas as outras noites. Depois da ceia fomo-nos deitar, às duas e tal da manhã de domingo, lá longe, ouve-se um rudo esquisito cada vez mais forte, audível, passa debaixo da cama.
- Ai homem que a nossa cama está a abanar, levanta-te, Senhor Santo Cristo nos acuda, é o fim do mundo!
- Não vês que é um tremor de terra, fujamos que a casa pode desabar. Da rua vinha um falaçar…
Quando amanheceu, as paredes da sala de jantar encontravam-se rachadas, não eram muito grandes as fendas, algumas coisas saíram dos seus lugares, a rádio anunciava que em Portugal, nomeadamente no Algarve, tinha havido um valente tremor de terra, tendo morrido umas doze pessoas, muitas casas danificadas…
São assim os tremores de terra, nunca se sabe quando aparecem, destroçando, destruindo, criando pânico entre as populações.
Na segunda-feira seguinte do ano da graça de 1969, pela manhã, os podadores formandos entravam pelo cabanão na quinta, para continuarem a aprendizagem.  


J.M.S.

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Rota da Gardunha, 2016


O narigudo e a caveira.


No curral...


A caminho do Castelo Velho.


No ninho da águia! 
O prémio para quem ousou.


Aranha. Quilómetros abaixo, havia outra igual.


Cabras em casa de humanos.
Ainda há cabras...

A mesma rota, sempre nova e diferente!

José Teodoro Prata

domingo, 14 de agosto de 2016

O nosso falar: cães

Hoje reponho o conteúdo de dois comentários que poderão ter passado a muitos leitores.

Jaime Lopes, Dias escreveu, na sua Etnografia da Beira, que os do Louriçal do Campo chamavam Cães da Vila aos de São Vicente.
Eu esclareci que também os vicentinos usavam esse termo.

Os nossos antigos também usavam esta expressão, referindo-se a todos os poderosos, não a cada um isoladamente, mas quando estavam ou vinham em grupo, normalmente de fora da terra ou misturados com a elite local.
Por exemplo, os membros da Junta de Freguesia de São Vicente ou um ou mais grandes proprietários locais nunca eram chamados cães, quando em separado. Mas se houvesse um evento que os juntasse, mais ao presidente da Câmara, mais o Governador Civil e o Bispo, então já eram chamados cães. Há nesta expressão a ideia de matilha (de poderosos) que leva tudo.
Aplicar-se a expressão aos de São Vicente, é natural por parte dos do Louriçal, pois foi da Vila que lhes vieram, durante séculos, as imposições judicial e fiscal, entre outras.


O leitor Gama enviou há dias um interessante estudo (levantamento) sobre o nosso falar:

A riqueza de uma comunidade costuma perceber-se num primeiro contacto com o modo de falar dos seus habitantes. Na terra existe um falar muito próprio, interessantíssimo, sobretudo na população feminina. Deve destacar-se em primeiro lugar na pronúncia a troca do b pelo v, melhor dizendo, a existência apenas do som b (baca, binte, biba, binho);a troca do a pelo e (Salguerel, amenhê) e cumulativamente do u pelo o (bureco; busquer; correl; róber; espinguerda; espatruquer = diz-se dos animais que saltam brincando, bater o pé na brincadeira, dar pinotes; despulguedo = aquele que sente fome; estrilhedo = barriga encolhida; escarrefocedo = despenteado) ou ainda do e pelo a (estramunhado = aquele que acordou à pressa).
Entre o vocabulário usual - popular, regional ou até local - devemos destacar: aguintar (deitar fora, atirar), ataquero ou batoque (criança demasiado pequena para a idade), borrifol (criança maldosa), chisna (sol quente), bandobudo (barrigudo), dazorro (de rastos), escadelecer (dormitar), engrolar (cozer à pressa), esgrogolar (beber), tósseira (ervas com muitos pés), farrabraz (homem capaz do bem e do mal), granhola (homem pouco hábil), grabanadas (rajadas de vento e água), ingremenço (invenção, criação), lapachero (lamaçal), lam-berca (rapariga deslambida), morrinha (chuva miudinha), mártele (mártir), mangerona (mulher desleixada), machorro (pequena mata ou arbustos bastante juntos), mechegra (dobradiça de porta ou arca), ó pialém, ó piaquém, ó despois, pramorde (por mor de), polina (grande concentração de insectos, animais ou pessoas), pringa ou pringueira (criança na vadiagem), parriba (para cima), pirrónico (pessoa com mau humor, embirrento, mal disposto), pochena (barraca, cabana), sarópeda (bátega de água), sapoula (nevoeiro intenso), scumássim (tenho de estar de acordo, do mal o menos), quintéso (enquanto, mas), tartaranha (mulher atrapalhada), tranqueta (fe-cho), chamiço (graveto), garraipo (galho), charamuga (acendalha), nanho (sem jeito para nada), escarapeado (pão com ocas no seu interior), redolho (o que vem atrasado, fora do tempo, tardio, serôdio).


José Teodoro Prata

sábado, 13 de agosto de 2016

Gardunha: Rochas e Castelo Velho


De: http://beira.pt/turismo/rotas-e-percursos/rota-da-gardunha/

Vista deste ângulo, parece um narigudo com cabeleira. 
Vou revê-la na próxima segunda, 15 de agosto. 
É um passeio familiar, mas convido quem queira juntar-se a nós. 
A partida é às 6 horas, da Igreja do Casal da Serra: temos de ir cedo para regressar antes do calor apertar (cerca das 11h).

José Teodoro Prata

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Ajudar


Há duas razões poderosas para comprar o livro "Dos enxidros aos casais: histórias e gentes de São Vicente da Beira", uma coletânea de histórias publicadas neste blogue.

A primeira prende-se com a própria natureza do livro. Escrevi no seu prefácio:
São histórias simples de pessoas simples, algumas de pé descalço, literalmente. Não foram escritas para serem lidas em suporte de papel, assim reunidas em livro, mas concluímos que, dispersas pelo universo dogotal, corríamos o risco de esquecer algumas das nossas memórias.
(...)
Um dia, a propósito de algumas casas da freguesia de São Vicente, escrevi no blogue: «Os nossos antepassados trabalharam como mouros, sofreram como cães e tombaram como tordos. Mas, quando vejo estas obras que nos deixaram, sinto que caminhamos aos ombros de gigantes.» O mesmo sentimento se apodera de mim ao reler esta coletânea de histórias. Cada uma delas, em separado, é quase insignificante, mas juntas têm a força que nos dá sentido como comunidade.

A segunda é assistencial. Como sabemos, as finanças da Santa Casa da Misericórdia estão em situação difícil há muitos anos. No passado, os nossos pais e avós mobilizaram-se para  ajudar a manter o Hospital da Santa Casa, através cortejos de oferendas. Hoje temos oportunidade, dada pela Câmara Municipal (que pagou a edição do livro), de angariar até perto de 3 mil euros para o Lar da Santa Casa. Por apenas 10 euros, a troco de um livro que conta as nossas histórias. Estejamos à altura do desafio!

José Teodoro Prata
Foto de Florinda Carrega

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

O nosso falar: fazer remela

A remela sabem o que é: aquele resíduo pastoso que nos aparece no canto dos olhos, após uma noite de trabalho do nosso corpo, que limpa os olhos das impurezas e as expulsa para fora.

Mas fazer remela é outra coisa bem diferente.
Há dias, vinha eu de regresso a casa, pela raia algarvia,  e senti vontade de ir a Alcoutim, apenas porque gosto de ter no mapa visual da minha mente o Portugal inteiro.
Não sei se Alcoutim vale o desvio, de certeza que sim, nem que seja só pelo Guadiana, mas voltei a ter vontade de ir até lá, sabendo, no fundo, que não calhava muito bem e por isso ainda não seria desta.
Mas sucessivamente me apareciam as placas a anunciar Alcoutim e então exclamei:
- É só para me fazerem remela!
Saiu à São Vicente, estando eu a tantos quilómetros...

Fazer remela é então fazer inveja, provocar o apetite de obter algo que à partida se sabe difícil de alcançar.

José Teodoro Prata

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Dos enxidros aos casais: histórias e gentes de São Vicente da Beira

 Primeiro, compraram-se e folhearam-se os livros.

Depois, os autores (ou seus substitutos) leram trechos das suas histórias.







 A seguir, os autores apresentaram-se e falaram sobre a sua participação neste projeto.


 Por último, falaram as individualidades: João Carrega, em nome da Editora (RVJ), Vitor Louro, como presidente da Junta de Freguesia e membro da Mesa da Santa Casa da Misericórdia, e Fernando Raposo, vereador da Cultura, em representação da Câmara Municipal.



Nota: 
A Câmara Municipal e os autores ofereceram o lucro da venda dos livros ao Lar da Misericórdia. 
Agora, o livro está à venda junto da Comissão de Festas e na Igreja da Misericórdia. 
Depois, ficará  à venda no Lar e noutros locais que a Santa Casa considere importantes. 
O preço do livro é 10 euros!

José Teodoro Prata
Fotos de Florinda Carrega e Sara Varanda